
Que a violência nas escolas é fenômeno polissêmico complexo já é algo sabido por aqueles que se interessam minimamente pelo tema.
Intolerância diz presente
Pesquisa encomendada pelo Ministério da Educação com estudantes, seus familiares e funcionários de escolas públicas revela que 99% admitem preconceito contra minorias
Ingrid Furtado
Beto Magalhães/EM/D.A Press
Muitos dos estudantes ouvidos revelaram já ter presenciado agressões físicas ou verbais motivadas pela raça ou opção sexual das vítimas
O preconceito nas escolas públicas brasileiras revela sua face mais cruel contra negros, portadores de deficiência e homossexuais. Pesquisa inédita da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) financiada pelo Ministério da Educação mostra que, como se não bastassem a humilhação e as agressões físicas, o sentimento ainda ajuda a perpetuar o distanciamento social entre os grupos analisados. O levantamento, divulgado ontem, aponta que 99% dos entrevistados, entre alunos, pais de estudantes e funcionários de unidades municipais, estaduais e federais de ensino do país afirmam alimentar algum tipo de discriminação. Dos 18.600 ouvidos, 96,5% admitiram ter preconceito contra pessoas com deficiência; 94,2% assumiram discriminação contra etnias e raças; e 87,3% recriminam pessoas devido à sua orientação sexual. Um dos objetivos da pesquisa, feita por amostragem, é orientar a elaboração de políticas educacionais que minimizem essas diferenças. O estudo indica que, por meio das crenças, valores e atitudes, todos os públicos entrevistados mostram que o preconceito é uma constante nas salas de aula. Os pesquisadores sortearam 500 escolas públicas do país, incluindo as localizadas em regiões rurais. A seleção foi feita de acordo com a proporcionalidade das matrículas por região demográfica e por modalidade de ensino: fundamental, médio e a Educação de Jovens e Adultos (EJA), baseado no Censo Escolar de 2007. Além de 15 mil alunos com idades a partir de 14 anos, foi entrevistada uma parcela dos pais desses estudantes, diretores das escolas, professores e funcionários das instituições de ensino. Os resultados indicam que, além de nutrir o preconceito, os entrevistados evitam o contato com as vítimas. Ou seja, estudantes com algum tipo de deficiência, de raças discriminadas, pobres ou homossexuais são excluídos em brincadeiras, no recreio ou até em trabalhos na sala de aula e, por isso, a socialização entre todos é dificultada. Outra constatação preocupou os pesquisadores: as unidades de ensino que apresentaram índice de discriminação mais elevada mostraram também aproveitamento escolar mais baixo. “É a primeira vez que se faz uma pesquisa abordando preconceito e discriminação de forma tão abrangente no Brasil. Conseguimos incluir opiniões de todos os atores escolares. O resultado mostra uma situação extremamente preocupante e revela que, no contexto das escolas públicas, todos estão impregnados com algum tipo de preconceito”, salienta o professor e coordenador de pesquisa da Fipe, José Afonso Mazzon. • MUITAS FORMAS DO MESMO MAL A formulação dos questionários foi feita com base em grupos de preconceito: racial, socioeconômico, de gênero, de orientação sexual, relativo a diferenças de idade, relativo a áreas de moradia e o relacionado a pessoas com necessidades especiais (física e mental) . “Abertamente, as pessoas falam que não têm preconceito, mas, sob a proteção do anonimato, a discriminação fica escancarada. E foi isso que percebemos na pesquisa. O ambiente escolar é responsável pela formação da pessoa. Mas em casa que o preconceito nasce. Como a discriminação é de certa forma velada no Brasil, é difícil o poder público interferir. E o estudo mostra que, para erradicar o preconceito, é preciso políticas federais incisivas e constantes. Não basta distribuir cartilhas ou fazer ações tópicas. É necessário muito mais educação inclusiva e informação”, diz José Afonso Mazzon. Uma face assustadora da pesquisa revela que 19% dos entrevistados responderam já terem visto algum aluno negro sendo humilhado ou agredido fisicamente simplesmente em função da cor da pele. Já 18,2% responderam o mesmo em relação aos estudantes pobres e 17,4%, aos homossexuais. “A situação é grave. É dramático o quanto uma pessoa pobre, negra, homossexual e moradora de favela precisa se esforçar para superar tanto preconceito e ser alguém na vida. O indivíduo que se acha melhor do que ela, se vê no direito de segregá-la e humilhá-la o máximo possível”, afirma o professor. Ele explica que, em geral, o homem é 10% mais preconceituoso que a mulher. “Mas, se avaliarmos apenas a discriminação relacionada à opção sexual, o homem é 23% mais intolerante do que o sexo oposto”. A estudante Taís Lívia de Jesus Neves, de 15 anos, é estudante da Escola Municipal Santos Dumont, no Bairro Santa Efigênia, Região Leste de BH, e já presenciou situações de discriminação. “É muito comum ver negros e gays sofrendo humilhação. Vejo isso sempre e é impossível a pessoa não sofrer. Conheço alunos que ficaram um bom tempo sem ir a escola por serem vítimas de discriminação”, afirma.
RETRATO DA VERGONHA
Natureza do preconceito % dos que assumem preconceito
Geral 99,3%
Quanto a deficiência 96,5%
Racial 94,2
De gênero 93,5%
Entre gerações 91%
Socioeconômica 87,5%
De orientação sexual 87,3%
Relativo ao local de moradia 75,9%
Fonte: Fipe/Pesquisa sobre preconceito e discriminação no ambiente escolar
Aliás, esse caráter plural inspirou o nome desse Blog. Em algumas contribuições que fiz na mídia sobre o tema ou nos eventos sobre ele em que participei, fica nítida a ansiedade de todos em enquadrar fenômenos distintos sobre o problemático nome de violência escolar, algo já bastante discutido, por exemplo, por Eric Debarbieux, estudioso de expressão sobre o assunto. O problema em questão é que o nome violência escolar pode abranger desde os atos de vandalismo, roubos, assassinatos ocorridos dentro ou no entorno da escola (esses muito explorados pela mídia), passando pelos atos de indisciplina e desrespeito que atormentam professores, até os atos mais sutis, ainda sem muita visibilidade, como o bullying, mas que nos mostram indícios de serem justamente os mais danosos. Pode encampar, ainda, aquela violência que se refere à própria organização da escola e suas práticas. Enfim, um bocado de coisas distintas sobre um mesmo nome. Esse é um dos desafios enfrentados por nós pesquisadores e pelos formuladores de políticas públicas e programas de prevenção. Afinal, o que atacar primeiro e como?
Na esteira dessa complexidade, um tema que se destaca é a questão da discriminação nas escolas.
Estudo recente da FIPE revela o triste quadro das escolas públicas, onde a maioria esmagadora de seus atores - alunos, professores, funcionários e pais - admite discriminar algum (ns) das categorias estudadas.
O estudo é bastante abrangente, mas não trouxe surpresas para quem lida de perto com escolas. Infelizmente práticas discriminatórias são comuns, apesar de muitas vezes nem percebidas pelos próprios agentes. Manifestam-se sobretudo nas práticas e discursos que permeiam as escolas. E, claro, é sem dúvida alguma uma forma de violência em si mesma e, ainda pior, atua na reprodução da mesma na sociedade. E não pensem vocês que isso não ocorra também nas escolas particulares! A pesquisa não abrangeu essas escolas, mas não há dúvidas de que isso ocorre também nelas.
A educação para a paz, não vingará enquanto os trabalhadores da educação não enfrentarem a questão da diversidade de forma eficaz.
Abaixo, segue reprodução da matéria publicada no Estado de Minas de 18 de junho.
Intolerância diz presente
Pesquisa encomendada pelo Ministério da Educação com estudantes, seus familiares e funcionários de escolas públicas revela que 99% admitem preconceito contra minorias
Ingrid Furtado
Beto Magalhães/EM/D.A Press
Muitos dos estudantes ouvidos revelaram já ter presenciado agressões físicas ou verbais motivadas pela raça ou opção sexual das vítimas
O preconceito nas escolas públicas brasileiras revela sua face mais cruel contra negros, portadores de deficiência e homossexuais. Pesquisa inédita da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) financiada pelo Ministério da Educação mostra que, como se não bastassem a humilhação e as agressões físicas, o sentimento ainda ajuda a perpetuar o distanciamento social entre os grupos analisados. O levantamento, divulgado ontem, aponta que 99% dos entrevistados, entre alunos, pais de estudantes e funcionários de unidades municipais, estaduais e federais de ensino do país afirmam alimentar algum tipo de discriminação. Dos 18.600 ouvidos, 96,5% admitiram ter preconceito contra pessoas com deficiência; 94,2% assumiram discriminação contra etnias e raças; e 87,3% recriminam pessoas devido à sua orientação sexual. Um dos objetivos da pesquisa, feita por amostragem, é orientar a elaboração de políticas educacionais que minimizem essas diferenças. O estudo indica que, por meio das crenças, valores e atitudes, todos os públicos entrevistados mostram que o preconceito é uma constante nas salas de aula. Os pesquisadores sortearam 500 escolas públicas do país, incluindo as localizadas em regiões rurais. A seleção foi feita de acordo com a proporcionalidade das matrículas por região demográfica e por modalidade de ensino: fundamental, médio e a Educação de Jovens e Adultos (EJA), baseado no Censo Escolar de 2007. Além de 15 mil alunos com idades a partir de 14 anos, foi entrevistada uma parcela dos pais desses estudantes, diretores das escolas, professores e funcionários das instituições de ensino. Os resultados indicam que, além de nutrir o preconceito, os entrevistados evitam o contato com as vítimas. Ou seja, estudantes com algum tipo de deficiência, de raças discriminadas, pobres ou homossexuais são excluídos em brincadeiras, no recreio ou até em trabalhos na sala de aula e, por isso, a socialização entre todos é dificultada. Outra constatação preocupou os pesquisadores: as unidades de ensino que apresentaram índice de discriminação mais elevada mostraram também aproveitamento escolar mais baixo. “É a primeira vez que se faz uma pesquisa abordando preconceito e discriminação de forma tão abrangente no Brasil. Conseguimos incluir opiniões de todos os atores escolares. O resultado mostra uma situação extremamente preocupante e revela que, no contexto das escolas públicas, todos estão impregnados com algum tipo de preconceito”, salienta o professor e coordenador de pesquisa da Fipe, José Afonso Mazzon. • MUITAS FORMAS DO MESMO MAL A formulação dos questionários foi feita com base em grupos de preconceito: racial, socioeconômico, de gênero, de orientação sexual, relativo a diferenças de idade, relativo a áreas de moradia e o relacionado a pessoas com necessidades especiais (física e mental) . “Abertamente, as pessoas falam que não têm preconceito, mas, sob a proteção do anonimato, a discriminação fica escancarada. E foi isso que percebemos na pesquisa. O ambiente escolar é responsável pela formação da pessoa. Mas em casa que o preconceito nasce. Como a discriminação é de certa forma velada no Brasil, é difícil o poder público interferir. E o estudo mostra que, para erradicar o preconceito, é preciso políticas federais incisivas e constantes. Não basta distribuir cartilhas ou fazer ações tópicas. É necessário muito mais educação inclusiva e informação”, diz José Afonso Mazzon. Uma face assustadora da pesquisa revela que 19% dos entrevistados responderam já terem visto algum aluno negro sendo humilhado ou agredido fisicamente simplesmente em função da cor da pele. Já 18,2% responderam o mesmo em relação aos estudantes pobres e 17,4%, aos homossexuais. “A situação é grave. É dramático o quanto uma pessoa pobre, negra, homossexual e moradora de favela precisa se esforçar para superar tanto preconceito e ser alguém na vida. O indivíduo que se acha melhor do que ela, se vê no direito de segregá-la e humilhá-la o máximo possível”, afirma o professor. Ele explica que, em geral, o homem é 10% mais preconceituoso que a mulher. “Mas, se avaliarmos apenas a discriminação relacionada à opção sexual, o homem é 23% mais intolerante do que o sexo oposto”. A estudante Taís Lívia de Jesus Neves, de 15 anos, é estudante da Escola Municipal Santos Dumont, no Bairro Santa Efigênia, Região Leste de BH, e já presenciou situações de discriminação. “É muito comum ver negros e gays sofrendo humilhação. Vejo isso sempre e é impossível a pessoa não sofrer. Conheço alunos que ficaram um bom tempo sem ir a escola por serem vítimas de discriminação”, afirma.
RETRATO DA VERGONHA
Natureza do preconceito % dos que assumem preconceito
Geral 99,3%
Quanto a deficiência 96,5%
Racial 94,2
De gênero 93,5%
Entre gerações 91%
Socioeconômica 87,5%
De orientação sexual 87,3%
Relativo ao local de moradia 75,9%
Fonte: Fipe/Pesquisa sobre preconceito e discriminação no ambiente escolar

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